Os Dois Reis de Gondar
(Etiópia)
Era um dia como os de outrora...
e um pobre camponês, tão pobre que tinha apenas a pele sobre os ossos e três
galinhas que ciscavam alguns grãos de teff que encontravam pela terra
poeirenta, estava sentado na entrada da sua velha cabana como todo fim de tarde.
De repente, viu chegar um caçador montado a cavalo. O caçador se aproximou,
desmontou, cumprimentou-o e disse:
— Eu me perdi pela montanha e estou
procurando o caminho que leva à cidade de Gondar.
— Gondar? Fica há dois dias daqui
— respondeu o camponês. — O sol já está se pondo e seria mais sensato se você
passasse a noite aqui e partisse de manhã cedo.
O camponês pegou uma das suas
três galinhas, matou, cozinhou no fogão a lenha e preparou um bom jantar, que
ofereceu ao caçador. Depois de comerem os dois juntos sem falar muito, o
camponês ofereceu sua cama ao caçador e foi dormir no chão ao lado do fogo.
No dia seguinte bem cedo, quando
o caçador acordou, o camponês explicou-lhe como teria que fazer para chegar a
Gondar:
— Você tem que se enfiar no
bosque até encontrar um rio, e deve atravessá-lo com seu cavalo com muito cuidado
para não passar pela parte mais funda. Depois tem que seguir por um caminho à
beira de um precipício até chegar a uma estrada mais larga...
O caçador, que ouvia com atenção,
disse:
— Acho que vou me perder de novo.
Não conheço esta região... Você me acompanharia até Gondar? Poderia montar no
cavalo, na minha garupa.
— Está certo — disse o camponês
—, mas com uma condição. Quando a gente chegar, gostaria de conhecer o rei, eu
nunca o vi.
— Você irá vê-lo, prometo.
O camponês fechou a porta da sua
cabana, montou na garupa do caçador e começaram o trajeto. Passaram horas e horas
atravessando montanhas e bosques, e mais uma noite inteira. Quando iam por
caminhos sem sombra, o camponês abria seu grande guarda-chuva preto, e os dois
se protegiam do sol. E quando por fim viram a cidade de Gondar no horizonte, o camponês
perguntou ao caçador:
— E como é que se reconhece um
rei?
— Não se preocupe, é muito fácil:
quando todo mundo faz a mesma coisa, o rei é aquele que faz outra, diferente.
Observe bem as pessoas à sua volta e você o reconhecerá.
Pouco depois, os dois homens
chegaram à cidade e o caçador tomou o caminho do palácio. Havia um monte de
gente diante da porta, falando e contando histórias, até que, ao verem os dois
homens a cavalo, se afastaram da porta e se ajoelharam à sua passagem. O
camponês não entendia nada. Todos estavam ajoelhados, exceto ele e o caçador,
que iam a cavalo.
— Onde será que está o rei? —
perguntou o camponês. — Não o estou vendo!
— Agora vamos entrar no palácio e
você o verá, garanto!
E os dois homens entraram a
cavalo dentro do palácio.
O camponês estava inquieto. De
longe via uma fila de pessoas e de guardas também a cavalo que os esperavam na
entrada. Quando passaram na frente deles, os guardas desmontaram e somente os
dois continuaram em cima do cavalo. O camponês começou a ficar nervoso:
— Você me falou que quando todo
mundo faz a mesma coisa... Mas onde está o rei?
— Paciência! Você já vai
reconhecê-lo! É só lembrar que, quando todos fazem a mesma coisa, o rei faz
outra.
Os dois homens desmontaram do
cavalo e entraram numa sala imensa do palácio. Todos os nobres, os cortesãos e
os conselheiros reais tiraram o chapéu ao vê-los.
Todos estavam sem chapéu, exceto
o caçador e o camponês, que tampouco entendia para que servia andar de chapéu
dentro de um palácio. O camponês chegou perto do caçador e murmurou:
— Não o estou vendo!
— Não seja impaciente, você vai
acabar reconhecendo-o! Venha sentar comigo.
E os dois homens se instalaram
num grande sofá muito confortável. Todo mundo ficou em pé à sua volta. O camponês
estava cada vez mais inquieto. Observou bem tudo o que via, aproximou-se do
caçador e perguntou:
— Quem é o rei? Você ou eu?
O caçador começou a rir e disse:
— Eu sou o rei, mas você também é
um rei, porque sabe acolher um estrangeiro!
E o caçador e o camponês ficaram
amigos por muitos e muitos anos.
TEXTO DO LIVRO: O PRÍNCIPE MEDROSO E OUTROS CONTOS AFRICANOS